quinta-feira, 22 de maio de 2008

Tempo


Ouvindo aquele som repetitivo ao longe, Tom acorda. Estica o braço, desliga o despertador. Fecha os olhos. Naquele mundo paralelo entre seu sonho maluco e pensamentos do quão rápido deveria ser para não se atrasar pro trabalho, levanta num pulo. Por que diabos a vida tinha que ser assim? Por que é que ele estava sempre tão escravo do tempo?

Era claro para Tom que pessoas cheias de entusiasmo e dadas a devaneios e a longas reflexões como ele, não poderiam ter tempo que os limitasse. Precisariam de umas 30 horas no dia pra realizar tudo o que têm em suas mentes ativas. Mentes essas que têm disponibilidade, vontade, coragem. Que não ficam estagnadas, que agem. Ele apanha seu par de all star velho na bagunça de seu quarto, senta na beira da cama e os calça. Quantas lembranças lhe traziam aqueles all star... A antiga namorada, que por acaso ele ainda amava, é que havia lhe dado de presente. Como poderia ele esquecer daquele beijo? Resolve logo afastá-la dos pensamentos não querendo começar o dia nostálgico, o que o faz perceber que a nostalgia já tinha lhe tomado logo ao acordar...
Levanta-se, veste-se, vai ao banheiro, e escovando os dentes calmamente, lembra de adicionar uma Close-up na sua lista do supermercado. E lembra da imagem de sua mãe o levando ao supermercado quando criança, das figurinhas de salgadinho que comprava e trocava com os colegas, e dos colegas. Que infância feliz havia tido ele. No caminho até a cozinha, pensa que poderia usar aquele tempo para terminar de ler seu livro, que ficara a um capítulo na madrugada anterior. Descarta a hipótese, posto que se atrasaria ainda mais. Maldito tempo!
Arruma um pedaço de pão, passa a margarina que quando comprara não percebera ser sem sal, o que o deixa irritado. Tom odiava falta de sabor. Em gente também. Como é que podiam existir pessoas tão sem sal? Tão inócuas, insípidas, passivas? Faz um café, bebe-o bem quente. Pessoas assim, pensava, não se preocupavam com a falta de tempo, uma vez que disponibilizavam dele sempre. Tinham tempo de sobra porque simplesmente não o ocupavam. Mas não as enxergava com hostilidade. Nem com pena. Apenas as considerava.
Observa o relógio de parede, perdido em seus pensamentos, ainda sobre a tamanha diferença que via entre si mesmo e aquelas pessoas inexpressivas, e o quanto na verdade achava melhor não ter tempo, então. Agora sim, assustado, vê que horas eram. Neste mesmo instante, o celular toca enlouquecidamente. Tom já sabia quem era e o que dizer ao seu chefe, pois usando sua capacidade criativa já tinha pensado nisso ao mesmo tempo em que se irritava pelo esquecimento da margarina com sal. Diria qualquer coisa sobre o atraso, menos a verdade. O tempo havia lhe escapulido. De novo.

Mariana Somariva

Tesão

Às vezes me perguntam sobre o que me faz gostar de uma música ou banda. Não falo de simplesmente o vocalista ser lindo, ou de ser preferência unânime da turma. Falo de um som que se ouve e se ama, mas unicamente por ouvi-lo. Então como saber? Aí logo remeto à velha mania do homem, a de criar coisas. Inventamos medidores para tudo. Termômetros, velocímetros, voltímetros, réguas e por aí vai. Assim, naturalmente, há de existir um medidor para o gosto musical.
Pois bem. Crio aqui o medidor natural do tesão! Sim, o próprio, o tesão. A libido, a vontade por outra velha mania do homem: a de fazer sexo. Se há uma música que lhe dá prazer, esta realmente está entre suas favoritas. Pode testar. E tudo por quê? Simplesmente porque remete a algo bom. Ok, aí virão aqueles que dirão que posso comparar com qualquer outra coisa que me lembre algo bom. Porém o tesão, meu amigo, é imbatível. É certo: “deu tesão, ah, então amo essa música”. Contudo, como qualquer método pode ser falho, observe que a recíproca da frase acima não é necessariamente verdadeira. Mas afinal, quem é que está preocupado com isso depois da descoberta desse novo medidor, ham?

Humor Cogumelo



Férias. Tarde fria e chuvosa, estava ela à toa em casa. Resolve ligar a televisão e ver se a programação continuava aquela merda de que se lembrava. Logo vê a Brooke Shields bronzeadérrima nadando na praia. Simplesmente não acredita que ainda passam Lagoa Azul na Sessão da Tarde. Troca de canal. Assiste a apresentadora anunciando: “Tamires tem 15 anos e diz: Eu não gosto de usar calcinha. Tamires, entre por favor! (palmas).” Meu Deus, pensa, até onde chega a estupidez humana? Esperançosa, troca de canal novamente. “Oh, Maria Mercedes Esmeralda do Bairro, eu te amo muito mais que meu irmão Carlos Daniel Eduardo Costa Bratcho, dê-me uma chance por favor, morrerei aqui mesmo de desgosto, vou me esvair em lágrimas...”
Bem, percebe enfim que está na hora de procurar algo diferente pra fazer. De repente sente fome. Vai até a cozinha, procura no armário algo pra comer, ao que vê um pacote de macarrão instantâneo. Feito! Nas férias havia esquecido o que é comer Miojo. Prepara-o, volta pra sala, liga uma música. Olha pro macarrão e já com água na boca (sim) se prepara para dar a primeira garfada. Percebe então que está com frio e resolve buscar um cobertor.
Larga o prato sobre a mesinha e no caminho, sem perceber, recorre à sua antiga mania de enrolar uma mecha de cabelo, assim à la Conde de Monte Cristo mesmo. Começa a pensar em nada, pega o cobertor inconscientemente e volta pra sala, sem perceber se ajeita no sofá, se cobre e continua a enrolar a mecha de cabelo comprido. Olha pra ela fixamente, concentra-se inteiramente naquilo. Sem piscar. Enrola. Esquece-se da fome. Enrola o cabelo. De repende tudo o que vê é um mundo desfocado à sua volta... e a mecha. Gira a mecha. Alguém ao seu redor... gira. Ao som daquela psicodelia que pusera tocar, via borboletas azuis circundando seu cabelo que rodava, rodava, para o infinito até a porta do céu... até a lâmpada vermelha que se infiltrava nas fotos e nos porta-retratos da estante esfumaçada... E ela de mãos dadas com a Maria do Bairro e com a mesinha, que girava, girava, girava... Pelos cabelos de macarrão, no meio do prato que gira, numa roleta infinita, cheia de cores e flores... Além de passarinhos loucos atrás de macarrão amarelo com molho de galinha caipira, tv’s redondas coloridas cheias de paz e amor, cheias de ilusões de ótica... E visões cheias de um espelho com a cara dela refletida, sendo segurado pelo seu irmão à sua frente, que teimava em fazê-la enxergar a si mesma e finalmente perceber suas pupilas dilatadas e sua expressão fascinada...

- Seu filho da mãe, estraga prazeres.

Mariana Somariva